“Não consulte os deuses nem os pássaros, não consulte nada nem ninguém sobre aquilo que você pode saber por si mesmo.” (Sócrates)
Platão escreveu sobre o Mito do Andrógino, a criatura que, no início dos tempos, ao lado do homem e da mulher, povoava a Terra, sendo formada pela união dos outros dois, portanto bastava a si mesma. Por desafiar os deuses, os Andróginos acabaram sendo cortados ao meio por Zeus e passaram a viver não mais inteiros, procurando, assim, desesperadamente, a cara-metade que lhes faltava.
Histórias à parte, a verdade é que tendemos a nos sentir incompletos e, não raro, saímos à procura de alguém que nos complete, esquecendo-nos de nós mesmos nesse percurso. Nossos olhos parecem se voltar a tudo o que está ali na frente, ao lado, em cima, abaixo, menos ao que temos conosco, ao que já somos, ao que sempre esteve dentro de nós. E assim vamos nos prendendo a tudo o que existe longe da gente, enquanto relegamos nossa essência ao segundo plano.
Muitos relacionamentos já parecem se iniciar fadados ao fracasso, devido ao simples fato de que uma das partes se entrega pelas razões erradas, esperando que o outro lhe traga o que lhe falta. No entanto, onde o amor encontra tão somente o eco, o incerto, a incompletude, ele não repousará, porque então não terá como se sustentar. O afeto necessita de terreno abundante, seguro e pronto a ser compartilhado – em terrenos estéreis, nada vinga.
Exercitemos o olhar para dentro, o enfrentamento de nós mesmos, encarando corajosamente nossas falhas e valorizando cada passo avançado em nossa jornada, enxergando-nos como alguém único e especial. Dessa forma é que conseguiremos nos afastar de quem quiser chegar junto sem verdade. Dessa forma é que não nos entregaremos a relacionamentos desiquilibrados, em que o peso cai todo em nosso colo. Completar-se antes de se entregar é necessário, ou aceitaremos o pior do que o outro tem para nos dar.
Fato é que, muitas vezes, já possuímos muito daquilo que estamos procurando nos outros, mas nos acostumamos tanto a nos menosprezar, que nem percebemos tudo o que somos, o tanto de grandeza que existe dentro da gente. Ou seja, aquela velha história de se valorizar, ainda que seja batida, é imprescindível ao nosso caminhar, ao nosso seguir em frente, sem dúvidas do que podemos alcançar e de quem realmente deixaremos entrar em nossas vidas.
Ninguém, afinal, nos completa, apenas soma verdade aos sentimentos completos em nós. Porque amor na dose certa é aquele que reforça o que já temos, sem vacilo, sem cochilo, sem tropeço.
Fonte: Marcel Camargo